O CROMOSSOMO X FRÁGIL
A designação da síndrome decorre do fato de o cromossomo X dos afetados apresentar uma falha na porção subterminal de seu braço longo (Xq27.3), quando suas células são cultivadas em condições de deficiência de ácido fólico ou que afetem o metabolismo das bases nitrogenadas necessárias para a síntese do DNA.
Esse cromossomo é denominado de X frágil - fra(X) - e sua detecção no exame dos cromossomos mostra que o indivíduo com retardo mental tem a síndrome do cromossomo X frágil. Nem todas as células do afetado, entretanto, mostram o fra(X), o que exige a análise de pelo menos 100 metáfases, após cultivo dos linfócitos em condições que induzam o aparecimento da falha, para que se possa afastar ou estabelecer o diagnóstico com segurança.
A síndrome afeta tanto homens como mulheres, mas nestas o quadro clínico é em geral menos grave. A penetrância do gene é incompleta, pois entre os homens portadores do gene cerca de 20% não manifestam qualquer sinal clínico, o que ocorre também com cerca de 65% das portadoras. Esses portadores assintomáticos do gene não manifestam o fra(X) e, assim, não podem ser diagnosticados através do exame dos cromossomos.
O QUADRO CLÍNICO
O comprometimento mental dos afetados pela síndrome do cromossomo X frágil é variável, podendo ir desde uma dificuldade de aprendizado a um retardo profundo. Entre os homens, o retardo mental grave é, entretanto, o mais freqüente, ocorrendo em 42% dos pacientes. Já nas mulheres afetadas predominam o retardo do tipo leve ou a inteligência limítrofe.
O comportamento dos meninos afetados tem características muitas vezes mais úteis para o diagnóstico do que os sinais físicos. A primeira queixa que leva o paciente ao consultório é geralmente o atraso na aquisição da fala, associado a uma hiperatividade importante. A fala continua sempre comprometida, pois é repetitiva, com alterações de ritmo e fluência, observando-se também problemas de articulação. Algumas características do autismo são também freqüentes: o contato pelo olhar e pelo tato é evitado, ocorrem movimentos estereotipados das mãos e mordidas no dorso das mãos que chegam a provocar calosidades. Não há na verdade um desinteresse em interagir socialmente, mas se observa um comportamento de aproximação e retirada, que se evidencia pelo desviar do olhar e do próprio corpo, enquanto cumprimenta as pessoas ou conversa com elas. É interessante que vários estudos citogenéticos e moleculares têm mostrado que aproximadamente 7% dos pacientes do sexo masculino diagnosticados como autistas têm na verdade a síndrome do cromossomo X frágil. Entre as mulheres afetadas, estas características são menos marcantes, mas nelas não são raras a timidez e a ansiedade no contato social. Alguns estudos feitos em meninas diagnosticadas como autistas mostraram que 4% delas têm a síndrome do cromossomo X frágil.
O aumento do volume testicular (macrorquidia) é uma característica muito freqüente entre os afetados adultos, estando presente em cerca de 80% dos casos. Entretanto somente 20% dos pré-púberes têm macrorquidia, o que a torna uma característica de baixo valor diagnóstico em crianças. Além disso, pacientes com outros tipos de retardo mental também podem apresentar macrorquidia.
Outras características clínicas presentes em grande número de afetados incluem face alongada, frontal alto e proeminente, cristas supra-orbitais salientes, hipoplasia da porção mediana da face, orelhas grandes e em abano e queixo proeminente. Mas o conjunto de sinais que pode caracterizar uma "face típica" não aparece em mais do que 60% dos afetados do sexo masculino e nas mulheres essas características são muito menos marcantes. Anomalias como pés planos, hiperextensibilidade das articulações, pele frouxa, hipoplasia da cartilagem auricular, prolapso da válvula mitral e dilatação do arco aórtico aparecem com freqüência e mostram que os afetados têm um comprometimento do tecido conjuntivo.
A grande variabilidade de sinais complica muito o diagnóstico em bases apenas clínicas. Isso, aliado à freqüência relativamente alta da síndrome entre indivíduos com retardo mental, torna fundamental a realização do exame citogenético ou molecular em casos de retardo mental inespecífico para investigar a síndrome do cromossomo X frágil.
A HERANÇA DA SÍNDROME
A síndrome do cromossomo X frágil tem peculiaridades de herança que atraíram a atenção dos geneticistas desde a descrição das primeiras genealogias com afetados. Na prole das mulheres portadoras do gene, mas fenotipicamente normais, em média 29% das crianças (20% dos meninos e 9% das meninas) eram afetadas. Se uma portadora era afetada o risco para sua prole era maior, de cerca de 40%. Já as filhas dos homens portadores normais, todas elas certamente portadoras, nunca eram afetadas. Observou-se ainda que o risco para a prole de mulheres portadoras fenotipicamente normais aumentava nas genealogias com o passar das gerações. Assim, em média, as avós normais dos afetados, que eram portadoras do gene, tinham risco menor de ter crianças afetadas do que as mães dos afetados. Este fenômeno ficou conhecido como "paradoxo de Sherman", em referência à pesquisadora que primeiro o descreveu. O risco de afetados pela síndrome do cromossomo X frágil na prole de portadores do gene: a) mulheres e homens fenotipicamente normais têm riscos diferentes; b) mulheres afetadas têm risco maior do que as fenotipicamente normais; c) o risco para a prole das portadoras normais aumenta com o passar das gerações.
O GENE DA SÍNDROME
Em 1991 três grupos independentes de pesquisadores, na França, na Holanda e na Austrália, clonaram o gene da síndrome, que foi denominado FMR1 (FRAX Mental Retardation 1). Este gene tem um comprimento de 38 kb, possui 17 exons e dele é transcrito um mRNA de 4,8 kb. O seqüenciamento das bases desse gene mostrou que em sua porção 5' havia uma repetição de trinucleotídeos - CGG - que não era traduzida. Nos indivíduos normais da população o número de trinucleotídeos varia de 6 a 50. Já nos afetados pela síndrome do cromossomo X frágil, o número de repetições é muito maior, superior a 200, podendo ser de milhares de trinucleotídeos. Um número intermediário de trinucleotídeos, entre 50 e 200, está presente nos familiares normais dos afetados que são portadores do gene. Esse gene dos indivíduos normais foi chamado de pré-mutado e o dos indivíduos afetados de completamente mutado.
O estudo da transmissão do gene alterado mostrou que os homens com a pré-mutação a transmitem para suas filhas com o número de repetições praticamente inalterado. Mas quando transmitida por uma mulher, a pré-mutação pode sofrer aumento no número de repetições de trinucleotídeos, ficando ainda na categoria de pré-mutação ou transformando-se numa mutação completa. As mulheres com pré-mutações com maior número de repetições são aquelas com maior risco de ter criança afetada. Não se tem ainda uma explicação biológica para esse comportamento dessa alteração do DNA, mas essas observações explicam as peculiaridades de herança da síndrome. As mulheres normais portadoras têm maior risco de ter crianças afetadas que os homens normais portadores, porque somente quando elas transmitem a pré-mutação ela tem possibilidade de expandir-se. Também, analisando-se as genealogias, pode-se observar que as pré-mutações são menores nas gerações mais antigas, expandindo-se ao serem transmitidas pelas mulheres, de maneira que as mulheres nas gerações mais recentes têm risco maior de prole afetada. Se uma mulher é afetada, ela já é portadora da mutação completa e seus filhos que recebem essa mutação são todos afetados. Quando é uma filha dessa mulher que recebe essa mutação completa, a probabilidade de ser afetada é de 50%, provavelmente um efeito da inativação do cromossomo X.
Os estudos sobre a transcrição do FMR1 mostraram que os indivíduos com o gene normal e aqueles com a pré-mutação produzem igualmente o mRNA. Já nos indivíduos afetados o mRNA não é detectado, mostrando que o gene está silencioso. Este silêncio do gene está associado à metilação de uma seqüência de dinucleotídeos CG (uma ilha CpG) que ocorre no início do gene. Essas seqüências estão presentes no início de vários genes e se mantêm desmetiladas quando o gene está ativo. Nos genes que não estão ativos no cromossomo X inativo das mulheres essas seqüências estão metiladas. Nos genes do cromossomo X dos homens, que está sempre ativo, essas regiões estão desmetiladas. Mas no caso da mutação completa do gene FMR1, a ilha CpG está sempre metilada mesmo no cromossomo X ativo.
A clonagem do FMR1 e a descoberta da alteração que causa a síndrome do cromossomo X frágil tornaram possível a identificação dos indivíduos fenotipicamente normais que são portadores da pré-mutação, através da análise do DNA (Fig. 3). Figura 3. Análise do loco FMR1 por Southern blotting, usando-se a sonda StB12.3, após digestão do DNA com as enzimas de restrição EcoRI e EagI. Quando a ilha CpG está desmetilada ambas as enzimas conseguem cortar o DNA, mas quando ela está metilada aEagI não reconhece o sítio de corte. (a) Num homem normal, o fragmento normal desmetilado que contém o gene FMR1 e resulta do corte pelas duas enzimas tem 2,8 kb. (b) Quando a pré-mutação está presente, o fragmento desmetilado é maior, podendo chegar a 3,4 kb, dependendo do tamanho da repetição de trinucleotídeos. (c) Já no afetado, o número de repetições é muito maior e a enzima EagI não corta a ilha CpG que está metilada; como conseqüência são produzidos fragmentos bem maiores, com mais de 5,8 kb.
Também permite o diagnóstico de fetos portadores da mutação completa no primeiro trimestre de gestação, através do estudo do DNA das células das vilosidades coriônicas.
O FMR1 é um gene evolutivamente conservado desde os invertebrados e deve ter, portanto, um papel importante nos organismos. No homem, o produto protéico já foi detectado em todos os tipos de células analisados, especialmente no cérebro e nas gônadas. Desconhece-se, entretanto, a função dessa proteína e conseqüentemente por que sua ausência leva ao quadro clínico da síndrome do cromossomo X frágil.
Angela Maria Vianna Morgante
Departamento de Biologia / IB/USP
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