Como poderá ser de auxílio aos psicoterapeutas saber como o cérebro funciona?
R. É através do funcionamento do cérebro que podemos melhor compreender o funcionamento da mente. O cérebro é de fato um conjunto de vários sistemas que permitem à nós sentir, interpretar consciente e inconscientemente, reagir, adaptar e interagir com o meio ambiente. Saber como funcionam os sistemas de percepção, interpretação, reação, adaptação e interação permite à nós pela comunicação verbal e não verbal interagir com tais sistemas modificando os resultados, sejam cognitivos, emocionais ou comportamentais. Desse modo entendemos como Psicoterapia Cognitivo Analítica uma modalidade psicoterapêutica que leva em consideração o ambiente e seus elementos, a forma como é percebido, a forma como é interpretado, as experiências pessoais de desenvolvimento que moldaram e continuam moldando bilhões de conexões em nosso cérebro sob condições de base biológica (12 bilhões de neurônios, cada um deles com um número de 10 à 100 mil sinapses, transmissão de sinais químicos e elétricos, talvez até eletromagnéticos e que são modulados a cada sinapse formando um complexo sistema de interface da condição humana entre a alma, o mundo psíquico e o mundo aparentemente externo ao homem).
O que é neurogênese?
R. É o crescimento do número de neurônios por divisão celular. Ao contrário do que sempre se acreditou a neurogênese é possível e foi evidenciada no cérebro de pássaros adultos, primatas e humanos (1999 b, Gould et al). Humanos mantém na idade adulta habilidade para neurogênese em estruturas relacionadas com o aprendizado como hipocampo, amígdala e cortex cerebral.
O que é sistema neural?
R. Os neurônios se organizam em complexas redes neurais que são geneticamente moldadas para estruturarem as inúmeras funções do Sistema Nervoso (SN). As duas primeiras divisões compreendem: Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Nervoso Periférico (SNP). O SNP divide-se em corpo do 2º neurônio motor no corno anterior medular, raiz sensitiva e motora, plexos neurais, gânglios sensitivos, nervos sensitivos, placa mioneural e orgão efetor (músculos, gânglios linfáticos e glândulas). O SNC divide-se em SNC supratentorial e infratentorial. O SNC infratentorial são as estruturas do SNC que estão abaixo da tenda do cerebelo e são elas: cerebelo, mesencéfalo, ponte, bulbo e medula espinhal excetuando o corno anterior medular.
O SNC supratentorial é o que mais nos interessa para a PCA e inclui parte dos sistemas de percepção sensitiva geral e sensorial, sistemas responsáveis pela avaliação dos estímulos de modalidade exteroceptiva, proprioceptiva e interoceptiva, sistema cognitivo (sobretudo função executiva, memória e memória de trabalho), sistema emótico que nos permite lidar com o objeto desencadeador da emoção com aproximação ou afastamento (movimento que guarda relação com as defesas psíquicas), sistema motor/efetuador que nos permite reagir, adaptar e interagir com o meio externo (ex: riso, choro, linguagem corporal, linguagem oral, secreção de ácido clorídrico, esvaziamento vesical e etc.). Tanto o SNC quanto o SNP guardam funções semi-automáticas por meio do sistema nervoso autônomo simpático (SNAS) e sistema nervoso autônomo parassimpático (SNAP). Estes dois sistemas funcionam em conjunto e modulam a resposta motivacional, administram o sistema de conservação de energia e temperatura do organismo, modulam funções de defesa (imunológicas), e funções hormonais e de reparação do organismo em caso de danos estruturais. Ao tronco cerebral, parte do SNC infratentorial cabe a função de passagem para fibras e circuítos com funções diretas e reflexas que envolvem boa parte do funcionamento visceral tais quais o peristaltismo intestinal, batimentos cardíacos, respiração entre outros. Cabe também ao tronco cerebral funções de modulação sensorial em geral, funções reflexas, de tônus muscular e de equilíbrio. Estrutura importante pois por um diminuto espaço passam e localizam-se elementos fundamentais e intermediários entre circuítos encefálicos e circuítos mais caudais mas, certamente, não é apenas um local de passagem. À córtex cerebral cabe a responsabilidade de desenvolver o que denominamos de funções corticais superiores tais quais abstração, atenção, memória, praxia, gnosia, raciocínio, linguagem, prospecção, decisão, planejamento, estratégia, início de uma ação, modificação de uma ação, arrependimento, frustração, interação social, percepção moral condutual (superego), percepção da morte de modo simbólico e estruturado, percepção do Eu como unidade (ego e consciência de sua própria existência e portanto de sua morte), percepção do Eu como elemento de interação (self), percepção do outro e de partes do 'meu' corpo como partes do Eu e como partes do 'não Eu' (somatognosia e estruturação simbólica do entendimento do Objeto Parcial Polarizado e Objeto Total Externo que é importante para o desenvolvimento da posições esquizo-paranóide e depressiva), percepção de um fato, de si mesmo, do outro como Objeto Externo a ser reparado (fundamental para o desenvolvimento da posição depressiva) e percepção da relação que vai além do seu próprio ponto de vista ou perspectiva, dentre tantas outras funções. Os circuítos e sinapses corticais vão se moldando e se modificando no decorrer de nosso desenvolvimento dependendo de nossas experiências pessoais. Existem diferenças de funções quando se considera os hemisférios direito e esquerdo sendo que boa parte das funções não declarativas e inconscientes são responsabilidade do hemisfério direito, já as conscientes e que podem ser expressas pela escrita ou pela fala são funções primordiais do hemisfério cerebral esquerdo. O sistema límbico que inclui a amígdala e hipocampo envolve funções como aprendizado, motivação, memória e emoção. Entendemos o sistema límbico como uma interface entre o mundo interno e externo onde emoções, sentimentos, afetos, apegos e comportamentos desenvolvem-se com a finalidade de manter a vida e perpetuar a espécie (Id), cujo desenvolvimento se faz a partir do contato do Eu com o mundo externo, diferente do instinto que já nasce com o indíviduo (ex: instinto da amamentação pelo reflexo da sucção, o choro e etc.). A amígdala relaciona-se com o medo, apego, memória e experiências emocionais através da vida. Já o hipocampo organiza a memória explicita (declarativa) em colaboração com a córtex cerebral.
O que são neurotransmissores e neuromoduladores?
R. Neurotransmissores são substâncias químicas responsáveis pela comunicação entre neurônios por meio da sinapse. Diferentes redes neurais utilizam-se de diferentes neurotransmissores e por vezes o mesmo neurotransmissor tem funções diferentes dependendo do receptor que o receberá na membrana pós sináptica. Os elementos envolvidos na neurotransmissão podem ser monoaminas, neuropeptídeos e aminoácidos. Já os neuromoduladores modulam a liberação e ação de neurotransmissores. Como exemplo temos a testosterona, estrógeno, cortisol e outros esteróides. Os aminoácidos são a forma mais simples e prevalente de neuromoduladores. O glutamato é o neurotransmissor de maior ação excitatória encontrado no SNC e estruturalmente relacionado com o N-metil-D-aspartato (NMDA), importantes no aprendizado (long term potenciation) e alterações neurais ligados à ele. Os receptores NMDA estão envolvidos com a plasticidade neuronal sob a função de estimular novas conexões neurais. As monoaminas (dopamina, norepinefrina e serotonina) estão envolvidas na regulação dos processos cognitivo e emocional, por isso é fundamental para o psicoterapeuta conhecê-las. São produzidas no tronco cerebral e transportadas através do axônio do neurônio para a córtex e para o sistema límbico. A dopamina produzida na substância negra e em outras áreas do tronco cerebral é chave para a ação motora e sistema de recompensa. Muita dopamina pode desencadear alterações do humor, agitação psicomotora e disfunção do lobo frontal (depressão, dismnésia e apatia). O excesso de função dopaminérgica está envolvida, pelo menos em parte, com a patogenia da Esquizofrenia. A norepinefrina é produzida no locus coeruleus e outras regiões do tronco cerebral. Ela é importante para o desencadeamento da resposta de luta e fuga que surge diante de uma ameaça. Altos níveis de norepinefrina podem desencadear ansiedade, vigilância, agressividade e comportamento defensivo. A norepinefrina também aumenta a lembrança para eventos traumáticos e estressantes. A serotonina é produzida no núcleo da rafe e é transportada por praticamente toda córtex cerebral e responsável pela modulação do ciclo vigília-sono além de estar envolvida na modulação do humor e da emoção. Os antidepressivos elevam a concentração de serotonina na fenda sináptica o que resulta em melhora do estado de humor, maior sociabilidade, melhores expectativas futuras (mais otimismo) e menos ruminação. O grupo de neuropeptídeos inclui endorfinas, encefalinas, ocitocinas, vasopressina e neuropeptídeo-Y. Estes elementos trabalham juntos na modulação da dor, prazer e sistema de recompensa. As endorfinas tendem a modular o sistema das monoaminas além de diminuir a dor física. A relação entre monoaminas e neuropeptídeos é de vital importância no crescimento e organização do cérebro.
O que é Neuroplasticidade?
R. Com o desenvolvimento do indivíduo observamos que a exposição às experiências de cunho pessoal, social e profissional moldam circuítos neurais de acordo com sua estimulação. Paradoxalmente, com o passar do tempo, observamos um aumento do cérebro enquanto que o número de neurônios diminuem e sabemos que isso se deve a um processo de crescimento de botões sinápticos e dendritos somados ao aumento da conectividade neuronal, o que é denominado de arborização dendrítica. Sabemos que do mesmo modo que nós apenas sobrevivemos e evoluímos através das relações que temos com aqueles que nos cercam, os neurônios também, sobrevivem e crescem (tornam-se mais eficientes) de modo diretamente proporcional à qualidade e quantidade de conexões neurais. Acredita-se inclusive em competitividade neuronal sendo que aqueles que possuem mais conexões e de melhor qualidade (fendas mais estreitas, maior rapidez na produção e liberação de neurotransmissores, número adequado de receptores para a transmissão) tem maior possibilidade de sobrevivência (ex: reserva neuronal importante em doenças demenciais). Experiências demonstram que estímulos elétricos repetidos em duas células conectadas levam ao aumento da eficiência metabólica destes neurônios, aumento da eficiência sináptica e portanto de transmissão de sinal. Um processo denominado de LTP (long-term potentiation), é resultado da ativação de receptores excitatórios de forma que leve a um retardo na repolarização neuronal prolongando o tônus de transmissão elétrica o que resulta em uma sincronização de toda uma rede neuronal de tamanho variável chegando a alterar o metabolismo nuclear, a produção de proteínas e enfim de novos receptores de membrana pós sináptica. O LTP é importante no processo de armazenagem de informações e otimização funcional no que chamamos de memória de trabalho. Bem, neuroplasticidade consiste em um fenômeno o qual observamos mudanças estruturais neuronais (ex: arborização dendrítica, aumento de receptores, estreitamento de fenda sináptica e aumento da eficiência enzimática), cujo objetivo é em geral, otimizar a relação do indivíduo com o meio que o cerca aumentando suas chances de sobrevivência e preservação da espécie. Lembremos que no nascimento o tronco cerebral está apto a desempenhar todas as suas funções (ex: reflexos de amamentação, sorriso, função visceral, controle de frequência cardíaca, respiração, automatismo de Moro, preensão palmar e plantar e etc.) e o sistema límbico logo estará funcionante e maduro. Entretanto, a córtex cerebral continua a desenvolver-se de modo mais intenso por pelo menos duas décadas e seu desenvolvimento dependerá em muito do ambiente e das necessidades que o ambiente impõe ao indivíduo. Tal plasticidade confere ao cérebro maior capacidade de transformação estrutural, maior adaptação social e maior habilidade para sobreviver. Tal plasticidade confere a psicoterapia a certeza de que existem transformações estruturais ocorrendo no cérebro durante o processo psicoterapêutico e tais transformações, de certa forma, são orientadas pela psicoterapia para que resulte num indíviduo o mais próximo possível do que denominamos boa relação objetal.
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